Como você já deve saber, este é o segundo texto da nossa série da trilogia do manejo do pasto. No primeiro texto, falamos sobre o grande dilema de manejar as pastagens e aprofundamos o assunto de como as plantas crescem. Neste texto, vamos falar um pouco mais sobre o comportamento dos animais em pastejo, como funciona, suas metas diárias e estratégias para cumpri-las. E no próximo texto, passamos a régua com o final da trilogia, vamos juntas as duas coisas (planta e animal) e falar sobre o manejo das pastagens, como superamos o grande dilema, onde as plantas precisam de folhas para crescer e os animais precisam das folhas para se alimentar. Preparados? Então vamos lá!!

 

A missão diária dos animais em pastejo

Diferente de muitos de nós, que as vezes pela manhã nos perguntamos: o que eu vou fazer hoje? Ou que muitas vezes nos damos o luxo de um final de semana decidirmos não fazer nada e ficar de bobeira, com os animais, de maneira geral, essa história é bem diferente. Os herbívoros têm uma missão diária quando levantam pela manhã (sem folga em sábados, domingos ou feriados), que é chegar ao final do dia de barriga cheia e assim suprir toda a sua demanda diária de nutrientes. Esse desafio nem sempre é fácil de ser cumprido, já que não é raro ver animais que perdem peso ou vacas que diminuem a produção de leite em algumas épocas do ano, ou seja, eles não estão conseguindo cumprir a sua meta diária. Além disso, esse desafio se complica ainda mais, pois o que os animais consomem de pasto hoje, muda a quantidade e qualidade do pasto disponível no dia seguinte para eles mesmos ou até mesmo nas próximas semanas e meses que vem pela frente. Gosto muito de uma frase do professor Paulo Carvalho da UFRGS que define isso, “o animal é causa e consequência do processo de pastejo”. Profundo né!? Acredito que muitos de vocês não tinham pensado por essa ótica. Eu confesso para vocês, que antes de entender tudo isso, não fazia a menor ideia!

 

Herbívoros, os especialistas em cumprir metas

Agora, vamos falar um pouco dos grandes fatores que influenciam na montagem da estratégia dos animais para chegarem no final com a sensação de dever cumprido, por ter batido a sua meta. Coisa boa, né?

Acredito que você já deva ter visto nos grandes documentários sobre as savanas africanas onde mostram grandes manadas de Guinus ou cervos, pastando sempre meio desconfiados e quando menos se espera eles são atacados por um bando de leoas famintas (sim, quem caçam na verdade são as leoas e não os leões). Os herbívoros, de maneira geral na natureza (vacas, cabras, ovelhas, búfalos, cavalos), são presas para os carnívoros. Mesmo com milhares de anos de domesticação dessas espécies, eles ainda trazem a lembrança na sua memória genética: se alimentam o mais rápido possível e depois ficam deitados ruminando (no caso dos ruminantes), só observando se está tudo bem no seu entorno. Isso é instintivo e influencia muito na estratégia diária da alimentação desses animais, comer rápido a maior quantidade de nutrientes e ficar em alerta, para não ser a refeição de um carnívoro faminto. E como você deve saber, a maior quantidade de nutrientes estão nas folhas dos pastos.

A disponibilidade de folhas no pasto está concentrada na metade superior do dossel (emaranhado de perfilhos), e é por isso que quando os animais baixam a cabeça, eles consomem metade da altura dos perfilhos. Ou seja, se o pasto tem 10cm, em um bocado, os animais consomem 5cm, se o pasto tem 20cm, os animais em um bocado consomem 10cm, se o pasto tem 1m eles consomem 50cm e, assim, sucessivamente. (a figura abaixo nos ajuda a ilustrar isso que estou dizendo). Assim, a estratégia de encher a barriga ao longo do dia está diretamente ligada a estrutura do pasto que o animal encontra no piquete.

 

(Bocado)
Imagem: COAMO

 

Figura. Representação da profundidade do bocado.
Imagem: Cangiano

 

Seguindo essa lógica, se o pasto está bem baixo, pouca quantidade de pasto é colhida a cada bocado e para encher a barriga, colhendo de pouquinho em pouquinho, fica muito mais difícil. Quando o pasto é bem alto, perto de 1m, encher a barriga fica muito mais fácil, pois a cada bocado o animal colhe bastante. Porém, quando a gente fala em eficiência no processo de colheita (colher mais em menos tempo, o instinto dos herbívoros), as duas situações não são tão boas assim.

A primeira porque falta pasto em quantidade e a segunda, apesar de ter quantidade, para o animal colocar todo aquele bolo de 50 cm pasto “goela abaixo” e sem ter o auxílio das patas, não é uma tarefa muito fácil e acaba perdendo tempo. Aqui, cabe uma comparação bem interessante quando se fala em quantidade e qualidade de pasto. Pastos bem baixos, são basicamente compostos por folhas, com altíssima qualidade. Já pastos mais altos (como vimos no texto 1 da trilogia), as folhas são mais duras, os perfilhos já tem muita proporção de colmos, e a qualidade do pasto já baixa bastante. Em pastos baixos, o problema não é qualidade e sim quantidade, pois os animais não conseguem colher volume de maneira eficiente. Já em pastos muito altos, a quantidade não é um problema e sim a qualidade e um pouco de dificuldade comer tudo de uma vez.

Entendido isso, quando o animal se levanta pela manhã, ele já observa o pasto que tem disponível a sua frente, rapidamente monta a sua estratégia e começa imprimir a sua sequência de bocados. Se os pastos estão muito baixos (a cada bocado colhe pouco pasto), os animais diminuem o tempo entre um bocado e outro e aceleram o passo, se deslocando bem rápido de cabeça baixa, num estilo “não tenho muito o que escolher, se eu parar para pensar, não vai dar tempo de encher a barriga”. Agora, se o pasto está muito alto, aí os animais são a “tranquilidade em pessoa”, param, dão uns bocados bem grandes, colocam toda aquela massa para dentro, depois caminham mais um tanto, param e fazem a mesma coisa, sem muito desespero (a figura abaixo ilustra este processo).

Sabe quando você solta um lote de animas em um piquete, que parecia estar bom demais e no outro dia você volta naquela área e o pasto está todo amassado, parece que foi pisoteado por gosto? Isso acontece porque quando se tem muita oferta de comida, os animais se dão ao luxo de escolher, caminham bastante para selecionar a melhor dieta e acabam amassando o pasto.

 

Figura – Ilustração do deslocamento dos animais em pastejo de acordo com as alturas (pastos altos na esquerda e pastos baixos na direita)
Imagem: Carvalho & Moraes (2005)

A definição de um pasto muito alto ou muito baixo é relativa e varia muito de espécie para espécie forrageira. Uma Campim Elefante a 30cm é uma altura muito baixa, já um Tifton nesta mesma altura, é um pasto muito alto já. Agora, da próxima vez que você observar um animal em pastejo, perceba a velocidade entre os bocados e a velocidade que ele movimenta as patas da frente. Se isso for muito rápido, é bem provável que o pasto esteja muito baixo. Um outro comportamento bem comum de observar se tem pouca comida no “prato”, são os horários de pastejo. Os animais, assim como nós, gostam de conforto, por isso, concentram seus picos de pastejo nas horas mais frescas do dia, no início da manhã e no finalzinho da tarde. Se você ver um animal pastejando a pleno sol, em um dia de calor escaldante, pode ter certeza que ele está tentando encher a barriga aumentando o seu tempo pastejando.

 

Qual o pasto ideal para os animais?

Obviamente que, das duas situações, entre pastos bem baixos e pastos muito altos, sem dúvida a segunda é muito melhor que a primeira. Aliás, anota aí, 80% do desempenho dos animais vem da quantidade de pasto e só 20% da qualidade. Quando olhamos pelo lado do animal, as alturas intermediárias, nem tão altas e nem tão baixa, são as melhores (parece que você já ouviu isso antes, no texto 1 da trilogia, certo?). Pois quando pastam nessas alturas, conseguem consumir pastos em quantidade (80% + importante) e a qualidade do pasto ainda é muito boa, pois as folhas ainda não estão tão grosseiras e duras e fica fácil de cumprir os outros 20% da qualidade. Para saber se um pasto está na altura ideal, observe comportamento dos animais, a cada bocado ele leva pouco tempo para colocar o pasto para dentro, observe as pastas da frente, ele se desloca, mas em um ritmo cadenciado, intermediário aos pastos muito baixos e muito altos.

Uma outra coisa bem importante para saber se o pasto está na altura ideal para os animais, depois de algumas horas com os animais em pastejo olhe para o pasto, se ele estiver ondulado, com pontos mais altos e pontos mais baixos é sinal que eles estão podendo escolher (Capim Mobaça na figura abaixo). Pastos bem parelhos, uniformes, parecendo que foi passado uma roçadeira, pode ter certeza, os animais estão comendo o que não querem.

 

Capim Mombaça com a estrutura bem ondulada, sinal que os animais puderam escolher o melhor para seu desempenho.

 

Pare de querer ensinar os animais a pastar!

Nós humanos temos a péssima mania de achar que somos seres superiores, que os animais são irracionais e só a gente pode saber o que é melhor para eles. Como você pode ter notado ao longo deste texto, os animais sabem muito bem como montar a melhor estratégia frente ao pasto que ele encontra ao longo do dia. Eles são seletivos sim, e isso é muito bom, pois estão fazendo um esforço tremendo para compor aquilo que é melhor para eles. Tenha em mente, nossa missão enquanto manejadores de pasto é a mesma que um dono de restaurante que tem o melhor buffet da cidade, oferecer diversidade e a melhor qualidade, deixando que o nosso cliente, no nosso caso “o boi”, escolha o que há de melhor para ele. É desta maneira, totalmente natural, que os animais são capazes de desempenhar mais, produzindo mais leite, mais ganho de peso, mais taxa de prenhes e mais retorno financeiro. Pense nisso!!

 

Texto: Armindo Barth Neto

Consultor e Coordenador de Negócios e Relacionamento – SIA

Imagem destaque: Banco de imagens SIA