À medida que a tecnologia avança no agro e a competitividade com outras culturas aumenta, cresce o desafio do pecuarista em ser o mais eficiente possível ao transformar cada touceira de capim em carne. Foi com esta situação em mente que a Aliança SIPA, formada pelo Grupo de Pesquisa em Sistema Integrado de Produção Agropecuária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; pelo Núcleo de Inovação em Tecnologia Agropecuária da Universidade Federal do Paraná; e pelo Grupo de Pesquisa e Inovação em Sistemas Puros e Integrados de Produção Agropecuária da Universidade Federal de Rondonópolis-MT lançou um novo conceito de sistema de produção de gado de corte – a lavoura de carne.

 

Ao Giro do Boi desta quarta, dia 24, o engenheiro agrônomo Edicarlos Damacena de Souza, mestre em sistemas de produção e doutor em ciência do solo, professor da Universidade Federal de Rondonópolis, um dos autores deste novo conceito, falou sobre a proposta inovadora e revelou os primeiros resultados de sua aplicação prática.

 

“A ideia da aliança é poder difundir mais esse sistema de produção, fazer com que as pesquisas que são geradas na universidade cheguem mais rápido até o produtor rural. […] Esse conceito (lavoura de carne) surgiu já há algum tempo. O Davi Teixeira, que é diretor da SIA, faz parte da Aliança SIPA, viu a necessidade de impactar mais o produtor com um nome que pudesse agregar um conceito de tecnologia, que pudesse fazer com que a pecuária fosse alavancada, saindo dos patamares atuais (de produtividade) e fosse elevada para níveis diferentes de produção com planejamento, com posicionamento melhor de insumos. A partir daí, nós começamos a evoluir neste conceito com pesquisa aplicada, levando isso às propriedades de forma a fazer com que o agricultor ou o pecuarista pudesse ter essas tecnologias e aplicar isso de forma que gerasse mais renda dentro da propriedade. É um conceito que já deve ter cerca de dez anos, ele vem começando a ser estudado em níveis de propriedade e hoje a gente já tem conseguido fazer com que esse conceito chegue a um número muito grande de propriedades. Estamos falando de mais de 1.800 propriedades no Brasil”, contextualizou.

 

Segundo o agrônomo, o avanço de desfrute da pecuária avança de maneira mais lenta do que na agricultura por conta de uma certa margem que o produtor de gado de corte tem para errar. “Na pecuária mesmo sendo manejada, conduzida aquém do que é possível ser feito, dificilmente um pecuarista quebra. Pode observar que dificilmente quando ele quebra, ele ainda tem um gado, ele tem a terra, porque a atividade pecuária é uma atividade de risco bem menor. No entanto, também os patamares de produção da nossa pecuária brasileira estão abaixo do que efetivamente podem chegar. […] Nós temos um horizonte gigantesco para crescer na nossa pecuária e fazer ela se tornar cada vez mais lucrativa”, estimou.

 

 

FAZENDA NO PARANÁ TEVE RETORNO DE R$ 66,00 PARA CADA REAL INVESTIDO NA LAVOURA DE CARNE

 

Entre os casos de sucesso da aplicação do conceito está o da Fazenda Horizonte, em Diamante do Sul, no centro-oeste paranaense. A propriedade de cria de 280 hectares reduziu sua estação de monta de cinco para três meses, aumentou o rebanho de 286 para 428 matrizes na mesma área, cresceu de 61% para 93% de taxa de desmame e o peso médio à desmama aumentou de seis para sete arrobas por cada bezerro em média. O segredo? Otimizar o manejo de pastos formados com Marandu e a suplementação do gado – um investimento baixo com retorno surpreendente.

 

“O que é importante é que não necessariamente você vai investir recursos financeiros na tecnologia. Quando um técnico vai aplicar o conceito de lavoura de carne, ele sempre vai começar ajeitando as peças no tabuleiro de forma que tenha o mínimo de recursos investidos inicialmente. Muitas vezes nós pensamos em adotar tecnologia na pecuária, fazer um confinamento, fazer suplementação, mas nós temos uma base que tem que ser bem feita. O manejo do pastoreio dá um impacto gigantesco nos resultados do sistema, só de você manejar melhor o pastoreio, não precisa investir em mais nada. Fazer um planejamento, uma estruturação de rebanho, não tem investimento. São tecnologias que não precisam de investimento. Foi o caso lá da Fazenda Horizonte”, contou.

 

As mudanças feitas em itens básicos da fazenda gerou uma verdadeira reação em cadeia que elevou os resultados até a obtenção de uma receita de R$ 1.053 por hectare, um retorno de R$ 66 para cada real investido no novo sistema produtivo.

 

“Se eu tenho uma vaca que está sendo melhor alimentada, está comendo um pasto de melhor qualidade, ela vai refletir isso em leite. Se ela dá mais leite, o bezerro vai ter mais alimento, que vai servir principalmente nas fases iniciais, quando ele não está consumindo forragem. E esse bezerro começa a ganhar mais peso do que se a mãe fosse uma vaca que dá menos leite. Então o manejo do sistema acontece de forma gradativa, investindo em tecnologias em que você gasta tempo, e não dinheiro. Você vai fazendo em pequenas partes da fazenda, investindo recursos, como correção de solo, de adubação, um controle mais efetivo de plantas daninhas para que aí o produtor tenha esse salto de produtividade”, ilustrou. “Pega-se uma área piloto para que o produtor aprenda a fazer esse manejo diferente, aplicar o conceito de lavoura de carne e depois ele vai expandindo, ele vai se sentindo confortável para ir expandindo isso na sua propriedade”, completou.

 

 

O agrônomo esclareceu ainda como a suplementação, um insumo já mais caro na proporção dos custos da pecuária, entra no sistema de lavoura de carne. “Ocorre a suplementação estratégica na lavoura de carne? Sim, mas eu não posso gastar muito com suplementação. Ela tem que ser estratégica. Ela é importante e aqui no Cerrado é essencial, mas ela precisa ser posicionada no momento correto, na quantidade correta porque o suplemento é mais caro. […] Eu investi em tecnologias que não gastavam dinheiro, eu investi recursos em tecnologias que davam respostas e reduzi os custos com outras que gastam muito, como é o caso da suplementação. Às vezes eu não preciso suplementar com 1% do peso vivo. Se eu tenho um bom pasto, eu posso reduzir isso para 0,5% ou 0,3% do peso vivo. Se nós temos um pasto totalmente degradado, qual é a minha solução? Suplementar? Só que o pasto é o alimento mais barato. Então eu tenho que manejar bem esse pasto porque ele vai fazer com que eu ganhe dinheiro”, sustentou.

 

EM MATO GROSSO, LAVOURA DE CARNE RENDE 15,6 ARROBAS POR HECTARE NA SAFRINHA

 

Outro exemplo prático da aplicação da lavoura de carne ocorreu na Fazenda Guarita, em Rondonópolis-MT (foto em destaque acima nesta página). A propriedade alcançou em 132 dias de pastejo durante a safrinha uma produtividade média em arrobas por hectare (15,6 @/ha) que foi mais de três vezes superior à média da safrinha no estado (5 @/ha) e quase três vezes e meia maior que que a média brasileira (4,5 @/ha).

Na propriedade, uma das mudanças principais foi um reposicionamento da adubação da soja de modo que a fertilização servisse também para a pastagem. “A adubação da soja é feita e, geralmente, o pasto fica por obra da natureza – o pasto que se vire com a adubação residual da soja. Só que quando eu colho a soja, eu estou levando embora 100 kg de potássio, cerca de 60 a 70 kg de fósforo. Aí eu coloco o pasto e não adubo nada. Quando eu tiro 15 arrobas de carcaça por hectare, eu estou levando embora 11 kg de nitrogênio, 3 kg de fósforo e 600 gramas de potássio. Aí eu volto e coloco 90 de potássio? Então nós percebemos que tínhamos um sistema em que podia ser feita adubação no pasto ao invés de colocar na soja e fazer com que a produção do pasto aumentasse. Manejando bem esse pasto, eu ia conseguir maior taxa de lotação e, como consequência, mais animais por hectare consumindo um pasto de qualidade com maior ganho de peso. E foi isso que aconteceu. Associamos os conceitos da lavoura de carne para o sistema integrado e hoje temos esse resultado, que não ocorreu somente durante um ano. Aconteceu no ano passado, no ano retrasado e agora também entrando novamente em fase de pastagem vai acontecer de novo em 2021 porque são conceitos sólidos que a gente tem aplicado”, projetou.

 

Valendo-se do aumento de desfrute na Fazenda Guarita, Edicarlos indagou: “Será que a gente consegue isso na soja, sair de 60 e chegar a 200 sacas por hectare? Não consegue! Mas na pecuária, nós conseguimos”, valorizou.

 

Em sua entrevista, o professor da Universidade Federal de Rondonópolis comentou os seis conceitos do sistema lavoura de carne.

 

1 – “Farm Design”: planejamento inteligente de uso do solo no espaço e no tempo, projetando estratégias para elevada e ininterrupta ingestão de nutrientes pelos animais Idem quanto à cobertura do solo;

 

2 – Estrutura de rebanho organizada, de forma a otimizar o estoque de animais;

 

3 – Equipe de trabalho estruturada e qualificada;

 

4 – Melhoria da fertilidade do solo, de forma alinhada às metas e fluxo de caixa da propriedade;

 

5 – Controle de pragas e doenças, privilegiando formas biológicas de combate;

 

6 – Manejo do pastejo, de forma a privilegiar o consumo de lâminas de folhas, qualificando a carne e mitigando a emissão de metano.

 

PASTOREIO ROTATÍNUO?

 

Dentro do último pilar, de manejo do pastejo, Edicarlos lembrou que o conceito de “pastoreio rotatínuo” é uma das bases. O doutor em ciência do solo explicou de que se trata a novidade.

 

“O pastoreio rotatínuo é uma nova metodologia – a gente está falando de menos de dez anos de criação – de manejo dos pastos que não leva em consideração o pasto em si, mas o comportamento ingestivo do animal. É como se a gente perguntasse para o animal o que ele quer comer. O que o boi vai comer que vai te dar maior retorno enquanto pecuarista?”, resumiu.

 

“Então esse manejo nós avaliamos o comportamento do animal para definir estratégias de manejo de pasto. Às vezes no manejo tradicional eu coloco o animal e ou o pasto está muito alto e eu deixo abaixar demais. É como se eu chegasse e falasse para o boi que ele tem que comer o que eu quero. E no pastoreio rotatínuo, por meio da pesquisa, nós conversamos, por dizer assim, com os animais para que eles possam colher a melhor estrutura do capim. Ou seja, quando ele passa a língua ali e dá um bocado, qual é a estrutura de pasto que ele gostaria? Isso para que em cada bocada que ele dá, ele consuma o máximo de alimento de melhor qualidade. E aí nós estamos falando de um animal que em pastejo rotatínuo”, comparou

 

Uma das principais mudanças do pastoreio rotatínuo para os métodos tradicionais é que o animal perde menos tempo procurando o melhor pasto para consumo. “O animal vai gastar cerca de oito horas em pastejo para captar todo o alimento que precisa. Por isso que no pastoreio rotatínuo nós vamos chegar às 7h ou 8h da manhã e o animal já vai estar deitado e ruminando. Ele não vai estar procurando comida. No pastoreio convencional, seja no rotativo ou seja no contínuo, […] esse animal precisa de até 15 horas para isso […] e não consegue captar todo o alimento que ele precisa, aí ele não expressa todo o potencial dele e a gente precisa começar a suplementar”, relacionou.

 

“Para você ter ideia, na Fazenda Guarita, nós começamos a suplementar os animais (no pastoreio rotatínuo) com 0,3% do peso vivo somente 89 dias após o início do pastejo. Ou seja, dos 132 dias de pastejo total, em 89 dias nós não precisamos colocar suplementação e quando colocamos foi de 0,3%. Eu estou reduzindo custo suplementando o animal exatamente quando ele precisa”, revelou.

 

E qual é o momento certo de começar a suplementar o gado num pastejo de precisão como o induzido pelo sistema de lavoura de carne? O agrônomo respondeu. “Nós começamos a suplementar quando o teor de proteína do pasto caiu para menos de 8%. […] Aí nós não entramos com 1,5% ou 2% do peso vivo, como acontece normalmente em áreas de integração. Nós entramos com a ração que era do semiconfinamento, colocamos 15% de sal para controlar o consumo. […] E o que a gente obtém com isso? Menor investimento. Então é uma arroba que você vai gastar menos para produzir. Além de você estar produzindo muito mais, você acaba gastando menos para produzir porque eu estou suplementando bem menos”, justificou.

No pastoreio rotatínuo, suplementação começa somente quando o teor de proteína do capim começa a cair

 

O professor observou que ainda há tempo para fazendas implementarem algumas dessas mudanças dentro da porteira já para esta entressafra porque, no sistema, o pastejo começa pouco tempo depois do plantio do capim. “Na nossa área (de estudos) na Fazenda Guarita, a colheita atrasou muito e nós plantamos o pasto semana passada. […] Para se ter ideia, nessas áreas nós entramos com animais nessas áreas 25 dias após a semeadura do pasto. A gente não deixa esse pasto chegar a 60, 70 cm. Os animais entram em pastejo com o pasto na média de 33 cm de altura”, detalhou.

 

O agrônomo também apontou como o produtor interessado em conhecer o sistema de lavoura de carne pode dar os primeiros passos. “Esse é um conceito que pode ser utilizado em qualquer nível de propriedade. Nós temos propriedades de dois hectares e de 14.000 hectares utilizando o conceito. O importante é que se tenha um bom planejamento. Então não há restrição de tamanho de propriedade. O que vai mudar é a amplitude dos negócios. E como implantar isso? A gente precisa, claro, de pessoas qualificadas para fazer isso. Vocês podem nos procurar na Aliança SIPA, nós temos um site, nas nossas redes sociais, Instagram e Facebook. É só entrar em contato que a nossa equipe de difusão repassa as informações e nós vamos poder conversar e direcionar para esse conceito. Nós estamos à disposição para contribuir para o pecuarista com a implantação desse conceito e fazer com que a nossa pecuária cumpra o papel dela de produzir carne para esta população mundial”, convidou.

 

Fonte: Canal Rural/Giro do Boi